Universidades Profissionalizantes

C. S. Xavier
6 min readApr 7, 2024
Do Ensino Feito para o Superior ao que Há de Mais Inferior

Quando as universidades deixaram de ser centros de excelência que objetivavam formar os expoentes da sociedade com as devidas responsabilidades e autoridades fornecidas e praticamente garantidas unicamente por tais instituições e foram, assim (e em especial no Brasil que têm um ideólogo comunista como patrono educacional), se tornando meros meios de formação de militantes e de obtenção de canudos para conseguir um emprego, uma espécie de cursos profissionalizantes gourmet, em que banalizaram-se sua devida excelência qualitativa em prol do populismo quantitativo de acesso a seus cursos (cada vez mais simplificados e menos exigentes) e por isto foram se degradando numa exponencial negativa a níveis bestiais, virando, geração após geração, simples fetiches de incautos e arrivistas a inexistentes sucessos garantidos.

“A atividade das universidades, especialmente nas humanidades e ciências sociais, foi amplamente destruída pela afamada democratização, e especialmente pela democracia participativa, o que na prática significa que ninguém mais pode fazer seu próprio trabalho em paz. Em um caso como o de Berlim, por exemplo, os estudantes de esquerda simplesmente não permitem que quem não é marxista abra a boca; e ouço dizer que há uma situação semelhante em locais como Marburg”.

Eric Voegelin

As universidades e faculdades foram sendo espalhadas não mais para oferecerem uma rígida carga de estudos e de cobranças do aprendizado a poucos que alavancariam a sociedade com seus conhecimentos, responsabilidades e autoridades, detendo uma fé pública natural da cobrança que todos tomavam como rigorosa, mas sim para servirem de um status social pequeno-burguês ou para integrarem mais dos sonhos rasos da modernidade como garantias de conhecimento superior e de bons empregos e rios de dinheiro a muitos iludidos (sem nem se preocuparem em pesquisar a veracidade disto na realidade e desavisados de que nenhuma dessas universidades ou faculdades fazem um mínimo e devido estudo atualizado periodicamente sobre se o mercado de trabalho absorveria a quantidade indexada de vagas oferecidas semestralmente por elas para cada tipo de curso que abrem vagas).

“O dispêndio governamental com o ensino superior constitui vastíssimo desperdício, a universidade brasileira é em grande medida um embuste e é enorme a variedade de parasitas que a habitam”.

Wanderley Guilherme dos Santos

Comentário escrito, em 1987, no prefácio do livro “A Sinecura a Acadêmica”, do professor e sociólogo Edmundo Campos Coelho (1939–2001), em que ele fez um levantamento comparativo entre os temas pesquisados nas universidades brasileiras, as verbas empregadas e o valor dos resultados obtidos, mostrando que o sistema de ensino superior já era um grande sorvedouro de dinheiro público com resultados intelectuais pífios, um grande estelionato e indigência que acontecia — e continua acontecendo talvez muitas vezes pior — nas faculdades do Brasil. E este problema já é antigo, mas só os mais sensíveis à queda da inteligência percebiam isto, como o intelectual austríaco, Otto Maria Carpeaux (1900–1978), notou em 1942.

“Os iletrados têm sempre razão, porque são muitos e ocupam um lugar de elite, esse “proletariado intelectual” […] Lêem os livros e decidem sobre os sucessos de livraria, criticam os quadros e as exposições, aplaudem e vaiam no teatro e nos concertos, dirigem as correntes das idéias políticas, e tudo isto com a autoridade que o grau acadêmico lhes confere. Em suma, desempenham o papel de elite. São os “nouveaux maîtres”, os “señoritos arrogantes”, graduados e violentos; e nós sofremos as conseqüências, amargamente, cruelmente”.

Otto Maria Carpeaux

Desta feita, quantidades de acesso às universidades foram se multiplicando conforme as qualidades de seus conteúdos e de suas respectivas dificuldades foram decaindo junto com a queda abismal da capacidade intelectual do material humano que passou crescentemente a integrá-las, para que, assim, se conseguisse absorver uma massa de novos alunos que tiveram um nível escolar e intelectual inferiores aos de outrora; ato contínuo que foi, num ciclo de vícios — redução do nível acadêmico para se adequar a um corpo discente com nível inferior que, por seu turno, gerará outra queda de nível programático e pedagógico e que doravante manterá o declive educacional —, nivelando por baixo o ensino dito superior, para que, neste processo, pudesse se adequar à descida desta categoria menos seleta de alunos, muitos ou até a maioria sem vocação alguma a uma vida intelectual séria: só desejam o canudo e os louros externos que juram ostentar através da graduação.

“Por que o rebaixamento dos padrões e a perda da coerência intelectual são nocivos à educação superior? Porque o ensino superior tem como intenção desenvolver, primariamente, um hábito mental filosófico. A genuína educação superior não se destina, de fato, a “criar empregos” ou a treinar técnicos. Incidentalmente, a educação superior tende a produzir tais resultados, sim; mas somente como subproduto. Corremos o risco de esquecer, enquanto perseguimos os objetivos incidentais, aqueles fins fundamentais da educação.
Por que se estabeleceram as faculdades e universidades, e qual continua sendo sua função mais valiosa? A disciplina da mente; a oferta de visões abrangentes a homens e mulheres e a instilação da virtude da prudência; a apresentação de um corpo coerente de conhecimento ordenado, em vários grandes campos do saber; a busca do conhecimento por amor ao conhecimento; existe para auxiliar a geração emergente a encaminhar-se na direção da sabedoria e da virtude. A universidade é um instrumento para ensinar que a verdade é melhor que a falsidade, e a sabedoria melhor que a ignorância. É claro que tem sido usada para outras coisas também, algumas delas ligeiramente perniciosas — tais como servir como um instrumento para o esnobismo social. Todavia, ainda estou falando da missão fundamental da universidade.
A universidade se destina a conferir duas espécies de benefício. A primeira é o aperfeiçoamento da pessoa humana, em prol do próprio indivíduo: abrir as portas de alguma sabedoria aos rapazes e às moças, para que haja algo mais na vida do que adquirir e gastar.
A segunda espécie de beneficio é a preservação e o avanço da sociedade, por intermédio do desenvolvimento de um corpo, ou classe, de jovens que serão líderes em vários ramos de atividades: cientistas, clérigos, políticos ou representantes, funcionários públicos, médicos, advogados, professores, industriais, gerentes e várias outras coisas. A universidade é um meio de auxiliar a formação dos intelectos, garantir a competência e (um propósito quase sempre esquecido hoje em dia) colaborar na formação do caráter”.

Russell Kirk

A degradação do sistema educacional, inclusive o superior, não é “privilégio” apenas de nós brasileiros. O filósofo Russell Kirk (1918–1994) já fazia este retrato do sistema educacional norte-americano desde a década de 1950 (quando ele próprio se demitiu da Universidade de Michigan, em 1953, devido às decadentes reformas e degradação latente do ensino, para se isolar em Mecosta e se dedicar à atividade intelectual e à carreira de filósofo e escritor até o fim de sua vida), mostrando o rebaixamento, a mediocrização e as ideologias que deformam a finalidade maior das universidades a uma sociedade.

Universidade de Bolonha — Fundada Em 1088

“Você pega os professores medievais, primeira coisa: eles tinha que comentar capítulo por capítulo da bibliografia indicada. E se ele não fizesse isso, era considerado vergonhoso. Como era considerado extremamente vergonhoso também, se ele deixasse os assuntos mais difíceis para o final da aula e não comentasse. Ele era causa de riso e zombaria no lugar. Ademais, ele tinha que planejar o tempo perfeitamente para que todos os assuntos fossem encaixados naquele tempo de cada aula, senão também ele era zombado. E como as primeiras universidades basicamente eram grupos de estudantes que pagavam para grupos de professores, se ele não conseguisse pelo menos uma audiência de cinco estudantes voluntariamente — não tinha lista de chamada —, ele perdia o salário do mês como se não tivesse nenhum. Imagina se isso fosse aplicado hoje… O que quer dizer? A maioria dos professores que zombam da Idade Média como “Idade das Trevas” não tinha condição sequer de pisar numa sala de aula medieval, no final das contas. Avanço educacional? Nem tanto…”

Pedro Augusto

Resultado disto é as universidades terem se tornado fábricas de diplomas e títulos indevidos que são percebidas por muitos como um sonho de consumo e ascensão social e econômica, mas que finda se tornando um pesadelo. Uma ilusão que desperdiça o tempo e dinheiro de anos de milhares, quiçá milhões a cada período, e que se transforma na realidade numa decepção de uma vida toda, ou às legiões de desistentes inaptos a uma vida de estudos acadêmicos (que já são muito simplificados) e que param no meio do caminho ou aos que se formam sem condições de adquirirem empregos, já que o mercado de trabalho (não levado em conta) não suporta aquela derrama excessiva de novos formandos; além do grave problema sistêmico das hordas de desqualificados pimpões entupindo de desserviços, incompetências e engodos a sociedade que confia nestes, cujos diplomas se tornaram armas perigosas de destruição em massa.

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.