Ruy Barbosa Anticomunista

C. S. Xavier
6 min readAug 4, 2019
A Águia Contra o Abutre

Antes de tudo, inicio com um brevíssimo necrológio deste notável homem. Ruy Barbosa de Oliveira (1849–1923) nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de novembro de 1849. Em 1866, mudou-se para Pernambuco para realizar o curso jurídico na Faculdade de Direito do Recife. Dois anos depois, conforme tradição da época, transferiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo. Ali, ele juntamente com Castro Alves (1847–1871) se tornaram sócios do “Ateneu Paulistano”, sob a presidência de Joaquim Nabuco (1849–1910). Nesta época universitária já se consolidava como um jornalista famoso.

Após sua formatura, em 1870, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou a carreira na tribuna e se consolidou na imprensa, abraçando como causa inicial a abolição da escravatura. Ali se tornou deputado provincial, e depois geral, preconizando, juntamente com Joaquim Nabuco, a defesa do sistema federativo. Vem o golpe da República e, logo nos primórdios, discordando da perfídia que levou Floriano Peixoto (1839–1895) ao governo; requereu habeas corpus em favor dos cidadãos presos pelo governo ditatorial de Floriano. Como redator-chefe do Jornal do Brasil, abriu campanha contra a situação florianista. Em 1893, foi obrigado a se exilar, indo para Buenos Aires, depois para Lisboa e, por fim, Londres; onde escreveu as famosas “Cartas da Inglaterra” para o Jornal do Comércio.

Em 1895, Ruy Barbosa regressou do exílio, retomou seu assento no Senado, no qual, sucessivamente reeleito, se conservaria até a morte. Um profundo estudioso da Língua Portuguesa, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1897), ocupando a cadeira de número 10. Em 1907, o Czar da Rússia, Nicolau II (1868–1918), convocou a 2ª Conferência da Paz, em Haia, o Barão do Rio Branco (1845–1912), no Ministério das Relações Exteriores, escolheu primeiramente Joaquim Nabuco para chefiar a delegação brasileira, mas a imprensa e a opinião pública lançaram o nome de Ruy Barbosa.

“A geração, que aplaude as insolências da força, esquece a facilidade, com que a tirania muda de amantes. Nos braços hoje dos que a entronizam, a meretriz atroz, conquistada amanhã pelas suas vítimas, abrir-lhes-á, com a mesma sem-cerimônia, os tesouros do seu cinismo, da sua mentira e da sua malvadez”.

Ruy Barbosa

Ele foi um grande destaque nesta Conferência; notabilizou-se pela defesa do princípio da igualdade dos Estados. Sua atuação nessa conferência lhe rendeu o epíteto “O Águia de Haia”. Em 1913, refundou o Partido Liberal, onde atuava para reforçar ideais republicanos e liberais. Em 1922, proferiu o último discurso no Senado, já preocupado com o Movimento Revolucionário mundial, concedendo o estado de sítio ao governo para frear a ameaça comunista. Em 1º de março de 1923, Ruy Barbosa falece das complicações de seu edema pulmonar de 1922 e da paralisia bulbar que o acometeu em fevereiro de 1923. Sua morte foi comentada no mundo inteiro. O Times, de Londres, dedicou-lhe um espaço nunca antes concedido a qualquer estrangeiro.

Monumento a Ruy Barbosa: “A Águia De Haia”, Curitiba, Paraná, Brasil

Existe uma belíssima frase do polímata brasileiro (jurista, advogado, político, diplomata, escritor, filólogo, jornalista e tradutor), Ruy Barbosa, de verdadeira ojeriza ao Comunismo, que é massivamente utilizada em trabalhos acadêmicos, livros, artigos, jornais e é claro nas redes sociais. A frase é esta:

O comunismo não é a fraternidade; é a invasão do ódio entre as classes. Não é a reconciliação dos homens; é a sua exterminação mútua. Não arvora a bandeira do evangelho, bane Deus das almas e das reivindicações populares. Não dá trégua à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanaria a humanidade. Everteria, subverteria, inverteria a obra do Criador”.

Ruy Barbosa (grifos meus)

Mas uma dúvida paira no ar: esta frase é mesma de Ruy Barbosa? Grandes leitores de Ruy Barbosa não conseguem citar que livro ou compilação política ou jornalística há este tipo de contundente crítica ao Comunismo feita por ele. Mas é de notório saber que o baiano Ruy Barbosa era um exímio orador. E foi justamente daí que realmente ele falou isso.

Num pronunciamento feito por Ruy Barbosa no dia 08 de março de 1919, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, apelando às classes conservadoras, entre outras coisas, a se erguerem contra os males da pátria e do mundo de sua época. Além disso, este grande republicano tratou de outros temas e diversos assuntos.

E é quase no fim deste longo discurso que ele também fala, e com demasiada preocupação, das agitações causadas pela desordem e selvageria da Revolução Russa e, sem citar explicitamente a palavra “Comunismo”, admoesta a todos os perigos da essência daquele Movimento Comunista que ocorrera em terras moscovitas em 1917 e que parecia se alastrar mundo afora, gerando anarquia, ódio, destruição, massacres e blasfêmias indizíveis.

Ruy Barbosa na Nota de Dez Cruzados

“Uma tal política resume em ser o pior da politica do kaiserismo e o mais ruim da política do czarismo, associados e meneados, aqui, não por essas castas antigas e numerosas, brilhantes e cultas, que senhoreavam aqueles impérios, mas por alguns aventureiros a que não assiste prestígio de nobreza ou antigüidade, opulência ou cultura. Dos frutos da política do czar, o mais grave não é a guerra, que o primeiro desencadeou, e em que o segundo traiu a sua própria nacionalidade. A mais grave das suas conseqüências é a anarquia, para a qual o “regímen” dos czares alhanava o terreno, havia séculos na Rússia, e de que a maldade atroz de Guilherme II cultivou o regregado germe, para o inocular e propagar, com ciência infernal, no coração dos domínios moscovitas. Daí, volvendo-se contra o demônio que o espalhara, contagiou a grande peste a Alemanha, que a levara ao regaço da sua vizinha, e se derramou pela Europa, inquietando agora o mundo inteiro.
Uma comoção tal, por mais horrenda que haja sido a guerra, vem a ser ainda cem vezes mais sinistra. Porque não é a fraternidade: é a inversão do ódio entre as classes. Não é a reconciliação dos homens: é a sua exterminação mútua. Não arvora a bandeira do Evangelho: bane a Deus da alma e das reivindicações do povo. Não dá tréguas à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanaria a humanidade. Everteria, subverteria, inverteria a obra do Criador. Ora, senhores, tais cataclismos não vêm ao caso, nem de improviso. Resultam, necessariamente, da mais longa, atuação de causas continuadas. Na Rússia e na Alemanha o que os originou foi a inveteração das autocracias, isto é, a soberania do arbítrio, da irresponsabilidade e da opressão, eternizados e inalteráveis”.

Ruy Barbosa (grifos meus)

O pronunciamento foi publicado no jornal carioca “Correio da Manhã” (numa época em que se fazia jornalismo de qualidade; basta olhar o conteúdo do jornal). Esta parte famosa se encontra na página 4 de sua edição dominical de 09 de março de 1919 (dia seguinte ao discurso), no tópico “Czarismo e Kaiserismo”.

Foto de Ruy Barbosa

E a título de exemplo, mais de três décadas depois, no jornal “Diário Carioca” de 08 de novembro de 1949, esta lapidar frase de Ruy Barbosa já estava estampada no famoso formato que conhecemos hoje (com o termo “Comunismo” entrando no local de sua perífrase “Uma comoção tal, por mais horrenda que haja sido a guerra, vem a ser ainda cem vezes mais sinistra”), e parecia ser de notório saber do brasileiro padrão.

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.