O Tirano Está Nu

C. S. Xavier
10 min readApr 21, 2024
O Tirano Está Nu

Os tiranos e seus cúmplices e cortesãos já não gozam mais da proteção daquela impostura sistêmica e fechada, da auto-bajulação e do fingimento externo que garantiam que fizessem as maiores aberrações, falassem as maiores imbecilidades e cometessem os mais escandalosos crimes, com a garantia de preservarem uma imagem de dignidade, inteligência e probidade, dentro duma brincadeira demoníaca de perverter a linguagem — chegando até a invertê-la — e a inteligência alheia sobre a forma de como agem, falam e se portam na realidade.

Há alguns anos digo, cada vez mais seriamente, que não só no Brasil mas no mundo (desde o século XX e, principalmente, desde o raiar do altamente automático, controlado e tecnológico século XXI) é o livro infantil “A Roupa Nova do Rei”, do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805–1875), que melhor sintetiza o advento do século em que os “Erros da Rússia” — anunciados em 1917 por Nossa Senhora de Fátima — se espalharam; e dentre os principais erros do Movimento Comunista está a mentira, que carrega em si o combo da farsa, do fingimento, da hipocrisia, da fraude e da traição, pecados e mazelas que têm na mentira o basilar e potente princípio ativo.

O maior pavor que eles têm é que as verdades do que são e do que fazem circulem sem seus controles e chicotes, que as pessoas progressivamente ou mesmo em massa saibam quem realmente são e o que fazem, tomem ciência das injustiças que promovem, das vilezas que executam, das mentiras que contam, do fingimento que simulam, das fraudes que mancomunam, das farsas que montam e dos crimes que cometem. Como os tiranos atuais são exímios hipócritas, sempre dourando suas ditaduras com palavras doces ou atenuantes sociais, eles ficam verdadeiramente em pânico só de pensarem em ficar nus perante o público.

“A genialidade do comunismo consistiu em autorizar a destruição da liberdade em nome da liberdade. Ela permitiu portanto que os seus inimigos a esmagassem ou justificassem aqueles que o faziam, em nome de argumentos “progressistas”. Então, a partir do momento em que historiadores e filósofos políticos, limitando-se a registrar o comportamento dos dirigentes e o total de vítimas, recusam esses argumentos e constatam a identidade circunstancial, estrutural e criminal entre o nazismo e o comunismo, o subterfúgio dos adversários progressistas da liberdade e da verdade cai por terra de uma vez.
Daí porque combatem tão veementemente essa aproximação, revivendo incansavelmente sofismas lamentáveis, de uma deplorável pobreza intelectual. Tais sofismas, sempre os mesmos, consistem em negar a natureza intrinsecamente criminosa do comunismo ou em exigir, aos gritos, a abertura de um “livro negro do capitalismo”. Não se pode negar que os estados capitalistas tenham cometido crimes. Todos os cometem. Mas além do fato de que as democracias capitalistas cometeram crimes que não têm o caráter maciço e repetitivo dos crimes nazistas e comunistas, e que são, em número, bem inferior, há uma outra diferença fundamental. Ela é qualitativa: as democracias capitalistas não precisam cometer crimes para se manter, enquanto que os sistemas totalitários, quaisquer que sejam, não sobrevivem sem cometê-los. A questão não é saber se o capitalismo, o cristianismo, o islamismo, as monarquias, as repúblicas cometeram crimes ou não. A resposta é sim. A questão é saber se esses crimes foram o pano de fundo permanente de sua atividade. A resposta é não. Ao contrário, a criminalidade está constantemente associada ao comunismo. Ela foi a condição intrínseca de sua existência e sobrevivência. Quanto à objeção de que a matança foi menor na Hungria ou na Tchecoslováquia do que na URSS ou na China, trata-se de uma triste escapatória. Além das execuções sumárias, os julgamentos fraudulentos tão caros à nossa Liga dos Direitos do Homem floresceram nesses países (e também em Cuba), que na verdade eram colônias periféricas ocupadas pelo Exército vermelho, e onde uma cruenta repressão era desencadeada a qualquer sinal de desordem. Segundo seus defensores, o comunismo não foi criminoso, embora tenha originado crimes, em toda parte e a todo momento. É uma curiosa forma de aplicação do princípio de causa e efeito.
Outro estratagema defensivo, quando se torna obrigatório admitir a existência dos crimes comunistas contra a humanidade, consiste em negar que o regime que os cometeu fosse verdadeiramente comunista. O toque final, nesse aspecto, é de Jean Lacouture: em seu livro “Survive le peuple cambodgien” [A sobrevivência do povo do Camboja] (1978), após lamentar, o que merece crédito, ter elogiado anteriormente o “Khmer Rouge”, ele simplesmente nega que Pol Pot e seus cúmplices tenham sido guiados por uma ideologia comunista. Segundo Lacouture, o regime de Pol Pot era um “fascismo tropical”, um “social-nacionalismo de plantações de arroz”. Portanto, quando um ideólogo marxista da mais pura tradição leninista se comporta, sem sombra de dúvida, como um carrasco nazista, a explicação é simples: é que justamente ele era um nazista e não um comunista.
Por isso, ainda hoje, é necessário lutar para privar os inimigos da liberdade de seus sórdidos subterfúgios. Primeiramente porque o comunismo, com seu amontoado de trapaças ideológicas, continua matando pessoas. No Tibete, por exemplo, contam-se pelo menos 1,2 milhão de tibetanos que perderam a vida por causa da ocupação chinesa em seu país, desde o momento da invasão. Além disso, o comunismo não só destruiu e subjugou fisicamente o povo tibetano, mas também perpetrou sua aniquilação cultural, destruindo quase todos os mosteiros e bibliotecas e proibindo, até onde pôde, o uso e o ensino da língua tibetana. Hoje, o Tibete tem oito milhões de colonos chineses levados para lá à força, contra seis milhões de tibetanos. A segunda razão pela qual se deve continuar lutando sem descanso contra a ocultação da natureza intrinsecamente totalitária e criminosa do comunismo é que, embora ele tenha recuado consideravelmente desde a derrocada da União Soviética, continua sendo uma esperança para os inimigos da liberdade, sempre ávidos por instalar um regime de opressão em nome da defesa dos oprimidos. Dois professores, um de filosofia na Universidade de Paris VIII, o outro de ciências políticas no Instituto de Estudos Políticos de Lyon, assinam, no “Le Monde” de 15 de outubro de 1997, um interminável artigo no qual se lia o seguinte: “Ao contrário do que François Furet parecia pensar, os antecedentes históricos da liberação social não trouxeram catástrofes totalitárias inelutáveis. Da luta dos oprimidos afloram imagens de uma emancipação que poderá tornar-se ‘efetiva em novos contextos’” (o grifo é meu). Declaração exemplar, pois contém ao mesmo tempo uma mentira e uma ameaça. A mentira escamoteia o fato de que o comunismo não tem nada a ver com “os antecedentes históricos da liberação social”, da qual, na prática, ele foi o pior inimigo. A ameaça é a inquietante promessa de tentar fazer renascer a “emancipação” através do “gulag”, em misteriosos “novos contextos”. Eles continuam: qualquer um que identifique o fascismo com o socialismo é de direita, e qualquer um que seja de direita é, no fundo, de extrema direita, e, portanto, um fascista.
Nada mudou desde o tempo em que Bernard Chapuis escrevia, em 1975, no “Le Monde”: “Alexander Soljenitsyn lamenta que o Ocidente tenha sustentado a URSS contra a Alemanha nazista… Antes dele, ocidentais como Pierre Laval haviam pensado da mesma forma e pessoas como Doriot e Déat acolhiam os nazistas como libertadores.” O autor de “Arquipélago Gulag” não foi mais bem tratado pela esquerda espanhola. Em 1976, seis meses após a morte de Franco, quando as reformas democráticas do Rei Juan Carlos já estavam em andamento, ele concedeu uma entrevista à televisão na qual declarou que havia mais liberdade na Espanha de 1976 do que na URSS e recebeu a seguinte resposta de um escritor pertencente à esquerda não-comunista, Juan Benet: “Creio firmemente que, enquanto existirem pessoas como Alexander Soljenitsyn, os campos de concentração deveriam continuar existindo. Talvez eles devam ser até mesmo mais vigiados, para que indivíduos como Alexander Soljenitsyn não possam escapar.” (“Cuadernos para el dialogo”, 27 de março de 1976). O senhor Juan Benet nem por isso deixou de continuar sendo um intelectual “respeitado”. Em suma, uma certa parte da esquerda, mais numerosa do que possamos crer, tem necessidade de pensar que todo aquele que não é socialista é nazista. Por isso ela luta tão furiosamente para impedir a constatação do óbvio: a identidade concreta, em essência, entre os dois regimes totalitários. As controvérsias sobre a equivalência entre o nazismo e o comunismo continuam ininteligíveis e sem solução, já que se perdem de vista suas respectivas relações com o que os aproxima — seus comportamentos — e o que os separa — suas ideologias.
De fato, é importante distinguir dois tipos de sistemas totalitários. Há aqueles cuja ideologia é o que eu chamo de “direta”, que se pode ver claramente — Mussolini e Hitler sempre disseram que eram hostis à democracia, à liberdade de expressão e de cultura, ao pluralismo político e sindical. Hitler, além disso, sempre expôs, muito antes de tomar o poder, sua ideologia racista e, mais precisamente, anti-semita. Portanto, partidários e adversários desse tipo de totalitarismo situam-se, desde o começo, de um lado ou de outro da linha divisória traçada nitidamente. Não houve “decepções” com o hitlerismo, já que Hitler cumpriu o que prometera. Sua queda foi por causas externas. O comunismo é diferente desses totalitarismos diretos, pois emprega a dissimulação ideológica, que eu definiria, para usar um pouco do jargão hegeliano, como “veiculada pela utopia”. Esse desvio pela utopia permite a uma ideologia e ao sistema de poder que dela decorre anunciar, constantemente, sucessos, enquanto executam exatamente o ‘contrário’ do que prega seu programa. O comunismo promete a abundância e provoca a miséria, a liberdade mas impõe a servidão, a igualdade e leva à mais desigual das sociedades, com a “nomenklatura”, classe privilegiada a tal ponto como jamais se conheceu nem mesmo nas comunidades feudais. Ele promete o respeito à vida humana mas realiza execuções em massa, o acesso de todos à cultura, mas leva ao embrutecimento generalizado, promete o “novo homem” mas o fossiliza. Mas durante um bom tempo muitos aceitaram essa contradição porque “a utopia está sempre no futuro”. A armadilha intelectual de uma ideologia totalitária veiculada pela utopia é, portanto, muito mais difícil de desarmar do que a da ideologia direta, porque no sistema de pensamento utópico os fatos reais nunca provam aos fiéis que a ideologia está errada. A França já conhecera, ela inventara mesmo, essa configuração ideológico- política, em 1793 e 1794, na época de Robespierre e da ditadura jacobina. Esse estratagema sutil, utópico-totalitário, foi desmascarado nas obras de escritores russos dissidentes com uma precisão cruel, já que esses eram os elementos que o próprio sistema tentava alienar para sempre. Tendo descido ao fundo do abismo dos campos de concentração, esses intelectuais “do Leste” aí se transformaram em mestres para nós, intelectuais do Ocidente. Mestres tantas vezes ignorados, deturpados, caluniados, porque eles, não tendo nunca vivido o comunismo real, agarravam-se teimosamente à sua fachada utópica.
O nazismo “abre o jogo” desde o começo. O comunismo o esconde atrás da utopia. Ele permite satisfazer o apetite pela dominação e pela servidão sob o disfarce da generosidade e do amor à liberdade, a desigualdade sob o manto do igualitarismo, a mentira disfarçada em sinceridade. O totalitarismo mais eficaz, portanto, o único apresentável, o mais duradouro, não foi aquele que fez o Mal em nome do Mal, mas o que fez o Mal em nome do Bem. E isso é também o que o torna menos desculpável, pois sua duplicidade lhe permitiu enganar milhões de pessoas de bem que acreditaram em suas promessas. Não podemos querer mal a essas pessoas. Por outro lado, não podemos perdoar àqueles que, sendo dirigentes políticos ou pensadores, conscientemente os enganaram, e continuam tentando enganar ainda hoje. Eles sabiam o que estavam fazendo, e invocar boas intenções. como circunstâncias atenuantes, não é nada mais do que continuar lançando mão do recurso utópico. (…) Essa infinita capacidade de autojustificativa do totalitarismo utópico, em oposição ao totalitarismo direto, explica por que ainda hoje tantos dos seus seguidores consideram-se isentos da necessidade de sentir vergonha ou arrependimento. Alimentados por uma utopia que a seus olhos é imaculada, eles se absolvem dos crimes dos quais foram os cúmplices angelicais, em nome dos ideais que não tiveram vergonha de pisotear.
Por isso, à menor menção da realidade histórica do comunismo, reduzindo a pó sua cobertura utópica, eles entram imediatamente em transes convulsivos”.

Jean François Revel

Nesta passagem do seu precioso livro de 2000, “A Grande Parada”, o filósofo e escritor francês, Jean François Revel (1924–2006), faz um diagnóstico psicológico (melhor: psicopatológico), retórico, lógico, teleológico e até ontológico do grande ardil que o Comunismo se vale até hoje para, depois de tantos crimes, misérias e destruições continuar sendo utilizado e reinventado, enquanto continuam criando espantalhos de seus próprios males com nomes de Nazismo ou Fascismo e continua servindo de escola até para este bando de simulacros democráticos que só servem para ocultarem tiranos mais covardes e canalhas do que os de outrora, que ao menos ostentavam mais colhões para se portarem mais assumidamente despóticos do que estes covardes, cínicos e hipócritas, de hoje.

O Garotinho Elon Não Pára de Apontar à Nudez do Tirano

O problema que surgiu para estes “tiranos modernos” (particularmente aos de Banânia) — que agem “em nome da democracia” para fazerem até pior que os tiranos de todas as épocas fizeram, foi que, com as revelações e denúncias derivadas do “Twitter Files”, as máscaras e fantasias democráticas que se vestem foram arrancadas de muitos destes canalhas, bandidos e tiranos que usam e abusam da mais nociva invenção do Satanás — é que alguém já falou: “O Rei está nu!”; ou melhor, “O Tirano está nu!”. E precisamos sempre, mesmo que seja só de uma menininha, de alguém para dizer que os tiranos estão nus em suas mentiras, fingimentos, farsas, hipocrisias, fraudes, traições e dos crimes ocultados por estes vícios em nome de coisas tomadas como boas e escondidos por palavras belas. E se for um bilionário que consegue gritar aos quatro cantos da Terra que o tirano (do Brasil) está nu, é melhor ainda para todo teatro macabro e criminoso soçobrar…

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.