O Poder Dos Muitos De Poucos Seguidores

C. S. Xavier
6 min readDec 31, 2023

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Os Pequenos Exércitos dos Poucos Seguidores

É interessante como, com o advento das redes sociais — e em especial Twitter e Instagram —, foi sendo banalizado a categoria aristotélica da quantidade em relação aos seguidores que uma determinada pessoa angaria para si. Perfis comuns, ditos pequenos, são aqueles que têm alguns ou dezenas de seguidores — dez, trinta, cinqüenta, vá lá noventa e nove seguidores (com aquele transtorno obsessivo compulsivo básico de passar a torcer para ganhar mais um mísero inteirador de cento) —, e normalmente são tomados como irrelevantes no tecido social. Porém, se pararmos para meditar sobre o assunto e focarmos nos números, suas relações e progressões geométricas (ou até volumétricas) e considerarmos as substâncias a que se referem, os seres humanos que atendem pelo signo de “seguidores”, aquele punhado numérico e que cada um de sua unidade corresponde a uma pessoa que está ali prestando atenção ao tal “perfil pequeno”, será que é tão irrelevante assim?

Tenta imaginar tanto o dono do perfil quanto o seu parco rol de, vamos lá, dez seguidores saindo das redes sociais e andando pela calçada da tua cidade. Seria maior que as duplas ou trios de testemunhas de Jeová ou maior que um secto de Hare Krishna andarilho, que já fazem ser notados, nem que seja por incômodo. São dez pessoas na trilha de uma, prestando atenção e até compartilhando que esta primeira pessoa está pensando — falando, escrevendo e fazendo. É algo bem relevante no mundo real. Com dez pessoas numa roda ouvindo um cara falar num pátio, quem passa em volta, se dentro de uma empresa, já acha que se trata de movimento de greve e ali seu sindicalista, se num presídio, um motim e ali seu chefão.

Se um indivíduo seguido por dez pessoas posta alguma coisa no Twitter, por exemplo, e se pelo menos uns seis seguidores dele dão um retweet, o alcance de sua boa nova pode ir bem longe. Imagina que este sexteto que o segue e, além disso, o compartilha, tem, respectivamente, 35, 17, 90, 54, 78 e 87 seguidores; seus recompartilhamentos podem atingir outras 361 pessoas, que por seus turnos podem fazer o mesmo para um número exponencial de outras pessoas, facilmente atingindo milhares, dezenas de milhares — ou até mais — de impressões e angariando alguns novos seguidores para a dezena inicial do gerador de conteúdo. Como pode se banalizar esta musculatura de comunicação, influência e divulgação?

E quando o “perfil pequeno” conta com mais de uma dezena de pessoas que o acompanham? Trinta, cinqüenta, vamos lá, o de noventa e nove acima, enfim, chegou a cem: uma centena de pessoas seguindo uma outra! Já pensou cem pessoas prestando atenção em tudo o que uma outra está expressando? Isso já enche uma Missa numa igreja pequena, já pode ser um palestrante num auditório razoável, quiçá um artista num show num bar. É bastante gente, é um número considerável de pessoas dispostas diuturnamente a ver a celebração, palestra ou show de um indivíduo dito comum, insignificante.

E quando chegamos às marcas das centenas? Já são auditórios ou até teatros lotados dia após dia só para prestigiar um sujeito apenas em seu púlpito ou palco. Já pensou chegar para mulher em casa, ou melhor, contar para a mãe no fim do dia: “Mãe, hoje eu falei o dia inteiro para mais de quinhentas pessoas!”. Como a mãe não ficaria toda pomposa pelo filhinho importante! Mas sim, tirando o humor de lado é isso que acabou de acontecer. É claro que tem seguidores que não usam mais a rede social, outros que ainda seguem e nem prestam mais atenção, e até infelizmente há os que morrem e deixam um número inócuo e que representa apenas uma lacuna lá seguindo; mas mesmo assim, isso ainda garante as marcantes centenas de pessoas seguindo uma pessoa só.

Refleti sobre isso quando me apercebi do óbvio ululante rodrigueano: cada número desse é uma pessoa que não conheço pessoalmente, cheia de possibilidades e potências, e que, não tenho nem idéia do motivo, mas que por livre e espontânea vontade me segue. Me dei conta disso num momento em que — depois de um par de anos retornado a um Twitter que ficara congelado por cerca de uma década — reparei que tenho milhares me dando esta consideração nesta rede social e também, num espaço mais dedicado e num grupo mais integrado homogêneo, tenho centenas de pessoas de alto calibre intelectual, social, moral, econômico me lendo no Telegram.

E como disse e repito: são seguidores seletos que não só buscam meus escritos, mas que também, muitos deles, e em muitas vezes em reação em cadeia, repassam o que leram, a outras centenas, milhares, dezenas de milhares, até mesmo bate milhão. São festivais de Woodstock de massas de pessoas absorvendo o que sentado no sofá, ou sei lá, num banheiro ou num ônibus, ou seja: num tempo livre qualquer, escrevi sobre o que li, vivenciei ou refleti. Não sei para ti, mas para mim é muito impressionante as substâncias por trás destes números que parecem pequenos, mas que representam pessoas; cada um deles com um universo de possibilidades de ações e paixões.

Mais de quinhentas pessoas me seguindo no meu only fans cultural e intelectual do Telegram e milhares no registro de textos e treinos de compactação hermenêutica do Twitter, lendo e revendo direto e em tempo real minhas atividades intelectuais ou lúdicas, me seguindo 24/7 e onde quer que eu esteja eles estão lá, é algo que muitos famosos, influentes e importantes de outras épocas dariam um braço para terem. Eis uma das ferramentas boas da tecnologia (é claro que atrai também um bando de espectros de gente, rebaixamentos ontológicos e desperdícios orgânicos junto com os de boa fé; mas nada que um bloqueio sumário não dê jeito).

As quantidades estão banalizadas quando não refletimos sobre a patente verdade oculta: cada numeral que aumenta ali é uma pessoa que voluntariamente resolveu nos acompanhar, faça chuva ou faça sol (ou até nos tornarmos para cada uma delas, por motivos variados, desinteressantes. Viva ao livre-mercado da atenção dedicada!). Alguém que além de nos seguir e de se atentar a tudo que escrevemos (mesmo gostando da maioria ou desgostando da minoria — mas, no fim, ainda achando na balança interessante), ainda compartilha com um não sei quanto de multidões e milhares e milhares, milhões e milhões quem sabe… É muita gente.

E acredito que boa parte do fenômeno da reversão de muita coisa dentro da Guerra Cultural, com novas idéias, linguagens, descrições, explicações, diagnósticos, análises, correções, associações, reflexões, soluções se deu pelo fenômeno dos seguidores. Seguidores por toda parte, em várias quantidades, e com quase todos tendo seu time, pequeno ou vasto, seguindo-os. Até onde esta corrente deve parar? Tem último elo? E olha que nem cheguei a refletir o que seria o efeito de quem possui dezenas de milhares, centenas de milhares, milhões de seguidores quando estes arrasta-multidões se manifestam. Mas infelizmente boa parte destes espalham mais banalidades e degradações que utilidades e elevações e o mal que são capazes de fazer deveria ser estudado, qualificado e quantificado…

Mas há muitos destes pequenos perfis de grandes mentes e conteúdos edificantes, com seus punhados de seguidores, que conseguem combater bem estes grandes perfis de atrofiadas mentes e conteúdos nauseantes. E ademais (sem buscar comparação, mas apenas um Caso de sucesso com um nada tecnológico), repara no que Jesus Cristo, sem redes sociais, rádio, televisão, jornal, mercado editorial conseguiu fazer mesmo sendo Persona non grata do Império Romano, e sem escrever nada, mas só falando a doze seguidores (na verdade onze, Judas era um hater dichavado, mas necessário) fiéis e umas dezenas de discípulos intermitentes e esporádicos. Imagina se Ele tivesse começado o Cristianismo dois mil anos depois Dele, com um Instagram ou Twitter, que fenômeno de seguidores não seria…

Deixo esta reflexão de esperança para cada Ano Novo que se inicia a cada um de nós. E quem acha que não tem muita importância ao mundo, medita o quanto pode estar errado: tens, primeiramente, importância universalmente única Àquele que começou a Salvação de todos nós apenas caminhando a pé e falando ao vivo com doze seguidores; depois, neste próprio miserável mundo, repara em quantos verões (primaveras, outonos e invernos) podes fazer sem nunca teres te apercebido disto…

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.