O “Bom Dia” Interiorano

C. S. Xavier
4 min readJan 21, 2024

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O “Bom Dia” Respira no Interior

Uma das coisas das quais mais gosto quando viajo para vários lugares do interior brasileiro é a solicitude das pessoas, o bom humor que ostentam em suas relações sociais, o sorriso sempre estampado quando vão se aproximando de nós (que elas não conhecem) com seus vislumbres de felicidade quando avistam um outro humano por perto, a educação, a gentileza e um genuíno prazer em interagir conosco e demais estranhos. E o “Bom Dia” que nos dão, senhores?! Que delícia! E é pelo “Bom Dia” interiorano que venho escrever isto aqui.

No interior, saímos à rua para tomar um café, por exemplo, não muito longe da casa ou hotel em que estamos hospedados e as pessoas que cruzam conosco — geralmente já nos encarando com um certo sorriso e com um semblante empático e até de curiosidade ao perceber que não somos dali — nos dão um “Bom Dia!” olhando firme e com feições acolhedoras, algo bem aconchegante (pode haver também um “Boa Tarde!” ou um “Boa Noite!”; mas o “Bom Dia!” é mais comum e tradicional, até pela disposição oriunda do ânimo matinal).

Nas primeiras pessoas com quem cruzamos onde tudo é mais intimista, podemos — ainda sem o costume da cortesia (principalmente viajantes de primeira viagem) —, bem sem graças, quase perdermos o cumprimento e, assim, termos que cumprimentar depois que já cruzamos com um patamar acima de educação por não esperarmos que iríamos ser cumprimentados, nos restando na gafe nossa uma espécie de saudação derivada de um reflexo retardado; depois, já nos primeiros encontros e percebendo ser um padrão por ali, já começamos a entender o espírito interiorano e passamos a gostar daquilo, e rapidamente já entramos no agradável costume, não só pelo “Bom dia!” (ou “Dia!”), mas pela forma que ele é dado: pois não se trata apenas de uma formalidade, de um “Bom dia!” artificial e automático, que por exemplo temos pelas cidades, quando cumprimentamos ao pedirmos informação, ou nos locais de trabalho, ou ao entrarmos numa loja ou restaurante; é um “Bom Dia!” de “Espero e faço votos para que você tenha realmente um bom dia, um dia abençoado!” singelo, pessoal e permeado de boas intenções.

E quando você se veste ou claramente parece não ser da localidade, os “Bom Dias!” parecem até mais corteses, carinhosos, intensos e voluntariosos; fruto de um certo prazer derivado da alegria de ver e interagir com aqueles turistas visitantes de “cidades grandes famosas” que lhes são incomuns. Nos tornamos um tipo de atração bem quista e, falando por mim, conforme passam os dias e vou me adaptando àquilo, àquela delícia de convivência, vou querendo mais daquela generosidade: desejando encontrar um outro gentil, desejando o próximo interiorano, local, “bonamigo”.

Não me queixo de nós não possuirmos (ou infelizmente de termos perdido) este hábito ao caminhar num Centro do Rio, na Av. Paulista, ou demais grandes centros demográficos sem distribuir “Bom Dia” a cada um como nas cidades pequenas, pois seria praticamente inviável cumprimentar — de tal afável maneira — uma quantidade absurda de pessoas sem parecer algo forçado ou artificial; mas lamento que isso não ocorra nem nas ruas, subúrbios e locais afastados das cidades, na freqüência, normalidade e costume que acontece em muitos interiores brasileiros (quiçá mundiais, pois parece haver similaridade neste fenômeno em outros países).

Escrevi este texto numa ordinária manhã da minha vida, simplesmente porque encontrei com um homem desconhecido (de meia-idade) numa rua próxima à minha casa, ambos indo rumo aos nossos trabalhos em sentidos opostos, e ele ao cruzar comigo me deu um “Bom Dia!” desses que citei acima; inesperado e cortês; o que lhe respondi com um certo retardo embaraçoso — mas entusiasmado — ; e foi extremamente agradável essa sensação, tão agradável ao ponto de ter que registrar em palavras aquela alegria simples e honesta que tive naquele dia nestas linhas de recordação e admiração.

E esta aparência de queixa ou de crítica (na qual me incluo como culpado) dos sinais dos nossos tempos (e locais), que revisito, é na verdade uma exaltação de algo genuinamente humano, mas que foi infelizmente se perdendo onde mais se concentram nossa espécie; e também uma gratidão por aquele citadino homem desconhecido com quem agradavelmente cruzei e que, com este hábito interiorano, me animou e inspirou a fazer, no mesmo dia, ainda no ônibus em que fui trabalhar, esta crônica e, quiçá, ensaio. E eu sei que vai soar um tanto quanto utópico, mas fiz votos para que tal hábito pudesse, quem sabe, se iniciar (ou retornar) pelo menos na minha cidade, ou ao menos no meu bairro ou vizinhança. Eu mesmo poderia ter começado esta empreitada a partir daquele dia, simplesmente repetindo com os demais estranhos que passassem por mim nas ruas o gesto cortês e reconfortante que aquele abençoado homem fraternalmente me dedicou. Mas, não o fiz; sinto relatar… A cidade impessoal e célere meio que venceu o meu ímpeto. Talvez, seja constrangimento puro e simples gerado pela tremenda inadequação; talvez seja queda qualitativa dada apenas pelo aumento incomensurável das quantidades urbanas; ou talvez seja algo que só o interior desperta e faz por nós, através de quem já nasceu ali, naquela aura de sorrisos fartos.

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.