A Matrix Dos Militares De Alto Escalão

C. S. Xavier
23 min readApr 28, 2019

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Como Vivem os Deuses Fardados

Neste artigo, eu trago um relato, uma experiência e algumas observações de quando eu estive trabalhando por mais de um lustro com os militares para, assim, fazer um mini-ensaio psicológico e sociológico sobre o comportamento deles — e, essencialmente, de seus sumos comandantes — no mundo militar interno, e o quanto isso reflete na forma deles fazerem política e de se comportarem na vida pública. Antes de mais nada, sou nascido de família predominantemente militar, tenho inúmeros amigos militares e desde pequeno freqüentei ambientes militares (hospital, quartel e algumas festas) com minha família e amigos e em um bom período da minha vida profissional, como civil (servidor público federal), trabalhei como Engenheiro de Tecnologia Militar e convivi com militares em todos os seus níveis hierárquicos.

Conheço pessoas nas três Forças, mas é na Aeronáutica o nicho em que me criei e é na Marinha o local onde trabalhei e extraí a maioria destas impressões. Tudo o que escreverei aqui se trata de uma tendência de comportamento geral e não de uma generalização; detesto quase todas as generalizações (sim, “quase todas”, porque se fossem “todas” eu estaria generalizando). Minhas metonímias categóricas partem da observação do comportamento de vários indivíduos pertencentes a determinadas classes e subclasses no meio militar e que, de uma forma bastante expressiva quantitativamente, se comportam com muitas características em comum.

As funções principais das Forças Armadas de um país é defender a nação contra ameaças estrangeiras e atacar militarmente nações hostis à nossa durante uma guerra deflagrada. Porém, normalmente (e principalmente no Brasil) as Forças Armadas têm que ficar de prontidão para guerra durante longos períodos de paz. Quando há alguma ação militar efetiva, esta não envolve o contingente inteiro (como uma missão de pacificação de um país, tal qual a do Haiti). E os militares devem ficar, neste interstício, como uma sentinela, mas seguindo com trabalhos administrativos internos e essenciais — tais qual uma empresa ou, mais precisamente, um órgão faz —, mesclados com atribuições típicas de treinamentos (não em todas as suas divisões), de exercícios e de operações militares.

Gerações de militares seguiram a carreira castrense até a reserva sem lutar ou mesmo presenciar uma única guerra ou confronto armado. Então, nestas condições pacíficas, as Forças Armadas — além das atividades internas administrativas de seu funcionamento — atuam em diversas atribuições valorosas de fiscalização, de controle de certas atividades e de apoio interno à nação, dando suportes cruciais quando há catástrofes naturais, tragédias com necessidade de buscas (por mar e por terra), reforço em segurança pública, construções de pontes, de bases, de edificações necessárias e de estradas em locais ermos, além de muitos outros serviços que auxiliam o desenvolvimento ou a assistência interna do país.

As Forças Armadas Brasileiras em Tempos de Paz

Na base das Forças Armadas (mais pelo que observei na Marinha), os praças e o grosso do oficialato têm as suas peculiaridades, mas não são deles que quero essencialmente falar. Conheci, como em qualquer lugar na sociedade, pessoas boas e ruins, competentes e incompetentes, inteligentes e limitadas, legais e sebosas entre praças e oficiais. A melhor proporção de bons encontrei mais nos primeiros do que nos últimos. E os praças, por suas permanências maiores no mesmo local e inúmeras experiências, cursos e treinamentos, eram os que mais conheciam dos serviços, funcionamentos, problemas e sistemas e, normalmente, eram os mais solícitos, humildes e gentis.

Entre os oficiais e oficiais superiores, os que vinham de fora, ingressos por concurso e já formados em faculdades, eram os mais simples, inteligentes e cordiais. Dos que vinham de escolas militares, muitos tinham um pedantismo notório. Por exemplo, dos que vinham de Colégio Naval e, depois, de Escola Naval para o oficialato da Marinha, recebendo instrução militar desde novos eram, corriqueiramente, os mais empertigados (com evidentes exceções). Nos oficiais que carregavam desde cedo, em suas adolescências e juventudes, uma idéia de serem elites e, assim, que deveriam se manter em público com uma postura adequada de convívio mais entre os seus pares oficiais, evitando contatos sociais ou muitas intimidades com subordinados, a marca destas idéias psicológicas, comportamentais e sociológicas eram mais patentes. Costumava ser comum perceber esta altivez nas posturas, falas, gestos, tratos, interesses e ordens destes oficiais de carreira oriundos das escolas militares de formação precoce. Em conversas de rancho, quantos dali tinham a idéia de que “quem gosta de praça, é pombo”? Prefiro não precisar a quantidade, mas era considerável o número deles.

Grandes inteligências, finezas e diligências presenciei entre os comandantes; mas também vi outros que eram poços de estupidez, arrogância e covardia. Uns polidos como um lorde, outros brutos como um ogro. E havia oficiais superiores que faziam coisas dignas de um estrategista e outros que faziam presepadas de um trapalhão? Sim, tinha dos dois. E subtração de materiais, fraude, desvios e corrupção, tinham? Claro, existiram casos sim, não muitos, porém ouvíamos isso; eu mesmo testemunhei inquéritos (e presidi algumas sindicâncias disciplinares envolvendo civis e militares). Havia inquéritos, sindicâncias e processos administrativos — militares e civis — e, às vezes, tinha uma punição (quando encontrava o culpado). Não era muito diferente daqui. Arrisco dizer que, talvez, era menor do que no mundo normal civil, público ou privado.

Os princípios constitucionais basilares que regem as Forças Armadas são os da hierarquia e da disciplina. Ambos são vistos em toda a parte por lá: no uniforme, nas funções, no serviços, nos atendimentos, nas instalações, nos estacionamentos, nas regras e em demais partes. Os ranchos geralmente são três; três não, quatro divisões: o de soldados e cabos; o de sargentos a suboficiais; o de oficiais até oficiais superiores (que, às vezes, tem outra divisão interna, melhorada, para quem é chefe); e o do oficial general (particular). Há várias explicações para isso: para não gerar desconforto num subordinado perante o oficial, por logística, por capacidade de acomodação, por mérito, para servir de incentivo aos que comem nos ranchos menos sofisticados quererem evoluir na carreira, entre outros. O generalato come geralmente isolado e com garçons particulares, num cardápio todo especial (foi almoçando com um almirante como convidado, quando comi um filé mignon ao molho madeira fantástico, além do melhor petit gâteau da minha vida; e olha que já comi muitos desta sobremesa, no Brasil e no exterior. Enquanto isso, nesse dia, no rancho dos oficiais, o prato foi dobradinha [de Marinha!]… Pobre desgraça!).

Os oficiais generais, em muitos locais, tinham entradas privativas e até elevadores só para eles (muitos com ascensoristas). Dos oficiais para cima não havia revista em suas mochilas e malas na hora de entrar ou de ir embora. Nem precisavam abrir porta-malas de seus carros na hora da saída. Os praças e assemelhados civis precisavam. Com esta assimetria de controle comportamental ficava bem mais difícil encontrar os possíveis grandes culpados de furtos. Por esta metodologia, basicamente não se pegava nada furtado, só os muito ousados que vira e mexe se arriscavam a tal sorte. Quem sabia que era revistado por sua posição, caso malocasse algo não colocaria em seus pertences e nem no porta-mala do automóvel, o material afanado. Então, qualquer ladrão tinha que arranjar outra forma para cometer seus crimes. E se este gatuno estivesse entre oficiais e assemelhados, este poderia livremente levar a sua rapinagem na mochila ou no carro.

Tirinhas do “Recruta Zero” e a Bajulação ao General Dureza (General Amos Halftrack)

Há uma expectativa muito grande entre os intervencionistas militantes e muitos simpatizantes das Forças Armadas (especialmente aos que nunca trabalharam numa organização militar) ao pensarem que entre os militares não há defeitos, nem desordens e que destes emanam competência em tudo que fazem e que, por isso, são um bastião impecável de serenidade, de retidão e de habilidade política para administrar um país. Isso é um fetiche e a decepção é constantemente grande quando esta utopia se revela falsa. Numa organização militar, num navio, prédio, numa escola ou num quartel em geral, existem problemas de organização, de incompetência, de ineficiência e de conduta ilícita como aqui; talvez, este último caso listado, em bem menor quantidade. Mas os outros vícios, em vários locais militares que convivi, são muito comuns de serem notados. E repletos de burocracia e corporativismo latentes.

Dado todo este leve e superficial panorama da vida e organização militar, eis o que quero realmente falar: O generalato militar. A classe composta de generais, almirantes e brigadeiros. Penso que todos os que conheci, viviam praticamente numa redoma de platina, uns mais na estratosfera solipsista e outros menos, com um militar ajudante de ordens que era como a sombra deles e alguns ordenanças para fazer diversos serviços corporativos ou pessoais. Motorista particular, cozinheiro e garçons com atendimento exclusivo; secretárias, assessores e tudo mais que tem direito. Até aí, tudo bem, é muito parecido com outras autoridades na política ou na magistratura. Mas o problema que eu vi nisso, não foram estas prerrogativas em si, mas sim o universo de bajulação, blindagem e alienação da realidade que circundava, em geral, os oficiais-generais.

“A bajulação corrompe tanto a quem a faz quanto a quem a recebe; adular não é útil aos povos, nem aos reis”.

Edmund Burke

Muitos deles tinham no seu ajudante de ordens, que o acompanhava por todo o lugar, um serviçal que servia até de arauto (sim, muitas vezes, antes de o diretor entrar numa simples sala de uma seção, o subordinado o anunciava a todos os presentes, para que as pessoas — obrigatoriamente os militares — se levantassem). A Cersei ali ficaria com inveja… Os problemas (mesmo os mais graves) chegavam sempre da forma mais branda ao saber do oficial general; faziam de tudo para que não chegasse nada de ruim, mas, caso não desse, douravam o máximo possível o problema. As lisonjas eram despejadas diuturnamente em hectolitros nos homens das gemadas amarelas sobre os ombros.

Todo mundo levanta, todo mundo ri de suas piadas (boas ou tolas), todo mundo discorda de algo dito ou feito pelo generalato como quem pisa em cristais. Certa vez participei de uma reunião em que o almirante queria algo praticamente impossível, tecnicamente infantil até; então, o oficial superior, altamente técnico e competente, levou quase meia hora, cheio de panegíricos e eufemismos, para dizer que o que o diretor queria era inviável e até estúpido. Quando ele circula pelas suas dependências, tudo é esteticamente preparado antes, e aquilo que não dá para arrumar, evitam levar o homem no local. Os oficiais generais dentro das Forças Armadas Vivem numa espécie de Matrix com a maioria dos plugados usando fardas e que sempre, sempre estes se levantam quando aqueles entram, e sempre, sempre batem continências quando qualquer um do generalato se aproxima.

A Matrix dos Oficiais Generais Dentro das Organizações Militares

Ao longo da carreira, membros do generalato não têm praticamente contato com críticas, desprezo, ataques verbais, hostilidades, desdém ou escárnios; só conhecem obediência, elogios, sorrisos, afagos, homenagens e suavização dos problemas. É praticamente um mundo à parte da realidade diária da caserna e de suas dificuldades, necessidades e confusões. Este tipo de ambiente adulatório é muito pernicioso para tomada de consciência de qualquer um; e, em se ficando muitos anos num local assim, pode ocasionar que o oficial general venha a perder a noção de si mesmo, do seu real tamanho em virtudes e capacidades, e dos seus defeitos e limitações; cada vez mais se inchando em altivez e descolando do contato com a realidade; tendo diariamente — e por anos a fio — o seu ego inflado numa posição muito além da devida.

E por viverem nestas bolhas de completa imunodeficiência a críticas, à sinceridade, à hostilidade, a opiniões cruas foi onde residiu (e, na minha impressão, ainda reside) o problema dos generais presidentes do Regime Militar, bem como o dos oficiais generais que alçaram vôo à política no governo do presidente Jair Bolsonaro: o choque com a realidade visceral, cruel, complexa e muitas vezes injusta confrontada com uma inflação de ego, uma perda da realidade e inconsciência de sua real potencialidade intelectual e técnica. No comando militar há aquele ambiente de pura concordância e admiração (verdadeira ou falsa), normalmente só havendo discordâncias contundentes e manifestas entre eles. Na vida política estes “gemadas” estão suscetíveis a todos os tipos de ataques, desrespeitos, críticas, humilhações, intrigas e venenos destilados; e por todos os lados: de jornalistas, de intelectuais, de militantes, de artistas, de universitários, de sindicalistas e de toda a sorte de adversários, desafetos e inimigos; entre eles, muitos que os oficiais generais só conheciam pela televisão, rádio, jornais e pela fama.

Qual a reação de um oficial general que vivia nesta redoma de mundo militar, que sempre foi poupado de críticas e que é tido como quase um deus do comando, da organização, do respeito, da inteligência e da idoneidade no quartel, ao receber duras críticas, escárnios, desrespeitos e até crimes de calúnias, injúrias e difamações no poder político de forma pública? Onde quase todos estão vendo os seus defeitos e limitações, apontando-os (exagerando-os e até inventando-os) sem moderações, e que o público sabe que ele está sendo fritado, zoado, xingado e ridicularizado? Diante de tantos holofotes no Brasil e no mundo (fora daquela provinciana vida no altar da caserna)? Inúmeras. Mas as mais comuns são as de se intimidar, de se pavonear, de querer agradar os atacantes na expectativa de cativar uma misericórdia ou trégua, de alterar a própria personalidade na vã esperança de não ser massacrado publicamente e de acabar adotando posturas erradas, tomando inúmeras decisões estapafúrdias e tentando alianças suicidas com o inimigo.

Além disso, há aquela mania positivista tão impregnada nos meios militares desde o Golpe da República de 1889, em que — segundo esta ideologia cientificista e materialista — a política pode ser superada pela ciência e por sua boa técnica; considerando que administrar um país é nada mais que uma gestão de um quartel, de uma repartição, de uma obra ou de uma empresa; na convicção ideológica de achar que ideologias são superadas. No Regime Militar, a ala mais adepta desta corrente comteana (e de suas mutações) achava que o debate político era um entrave à uma oligarquia tecnocrática apolítica. Para estes positivistas inúteis militares — esquerdistas úteis —, o Congresso Nacional só atrasava as medidas já decididas pela cúpula militar, em decisões tomadas em sua cimeira burocrática por poucos quepes emperiquitados; o desejo maior a esta turma era, se possível, o de fechar o parlamento e comprar mais carimbos. E como as Esquerdas não param de atacar e jamais serão amigas dos militares (e de quaisquer adversários), ao acreditarem nestas pamonhices ideológicas sobre a Política, os militares acabaram se virando contra as Direitas que reagiam adequadamente contra as Esquerdas (mas que também criticavam erros dos militares, como Carlos Lacerda (1914–1977), o líder máximo direitista, quando necessário) no intuito inócuo de, ao se atacar os direitistas, crerem que poderia haver um captatio benevolentiæ por parte dos algozes em suas falas e escritas, com a vã ilusão de que isso agradaria seus arqui-detratores esquerdistas, que diminuíram os seus ódios, ataques e repugnâncias aos governantes milicos.

Os Positivismo e os Militares Brasileiros (Quadro “A Apoteose a Júlio de Castilhos“, de Marciano Schmitz, 2012)

“Quando escrevi que os militares que governaram o Brasil de 1964 a 1985 eram positivistas, não quis dizer que fossem seguidores conscientes e devotos de uma doutrina, que estudassem dia e noite a filosofia de Augusto Comte ou qualquer das suas modernas versões neopositivistas, analíticas, etc. Ao contrário, se o fizessem acabariam adquirindo uma visão crítica das limitações dessa escola e talvez até rompendo abertamente com ela, à imagem do que aconteceu com tantos intelectuais nas hostes marxistas.

O poder de influência de uma doutrina não se mede pelo número dos que a conhecem a fundo, mas pelo dos que a seguem sem ter a menor idéia de que o fazem. À medida mesma que uma corrente de pensamento se dilui no “senso comum”, perdendo sua identidade própria, redobra a força com que seus símbolos, valores, critérios de julgamento e normas de ação determinam o comportamento dos homens na sociedade. O próprio marxismo não seria nada se tivesse a seu serviço somente intelectuais de elite capazes de conhecê-lo e meditá-lo: é a massa dos marxistas inconscientes — aqueles que acreditam não ser comunistas — que lhe dá seu tremendo poder de impregnação na sociedade.

O mesmo sucedeu com o positivismo dos militares. Nos últimos anos do Império e nos primeiros da República, o Système de Politique Positive e o Catéchisme Positiviste passavam de mão em mão nas escolas militares como se fossem reedições da Bíblia. Pouco a pouco, à medida mesma que essas obras deixavam de ser lidas, suas lições se impregnaram nos hábitos mentais da comunidade castrense e aí continuaram, com a passagem das décadas, exercendo uma influência sem nome, tanto mais penetrante quanto mais despida de qualquer identidade reconhecível. A “ditadura tecnocrática” é a mais típica proposta política de Augusto Comte. Se sabemos que é de Comte, podemos ter a idéia maligna de estudá-la nos textos do mestre e discuti-la em voz alta, o que terminará por nos levar a analisá-la criticamente e relativizá-la, se não a rejeitá-la por completo. Se, ao contrário, ela bóia invisivelmente no ar, ela começa a nos parecer a voz direta da realidade, com todo o prestígio do consensual, do óbvio e do indiscutível.

Pior ainda, essa influência residual veio a se mesclar, numa confusão dos diabos, com outros elementos ideológicos de origem não conscientizada criticamente, como por exemplo o dogma do marxismo vulgar que institui o primado do econômico. Nossos militares acreditavam piamente que o sucesso da propaganda comunista era fomentado acima de tudo pela miséria e pelo subdesenvolvimento. Deram o melhor de si para combater esses dois males. Elevaram consideravelmente o PIB, construíram obras públicas fundamentais e, no conjunto, suas realizações nada perdem na comparação com as de outros governos criativos, como Getúlio Vargas e JK, com a diferença nada desprezível de que no tempo destes últimos a corrupção crescia junto com o país.

Tudo isso é excelente em si mesmo, mas não ajudou em nada a deter o avanço do esquerdismo revolucionário. Nem poderia ajudar. O comunismo jamais recrutou o grosso dos seus militantes entre os miseráveis, mas entre jovens de classe média inconformados de que a instrução que receberam não lhes dê a ascensão social e política que promete e que imaginam merecer. O progresso econômico dos anos 70–80 espalhou universidades por toda parte e multiplicou ilimitadamente o “proletariado intelectual”, como o chamava Otto Maria Carpeaux, a massa de estudantes semi-instruídos aos quais, ao mesmo tempo, o governo sonegava toda formação política conservadora, deixando-os à mercê dos professores esquerdistas que já naquela época monopolizavam as cátedras universitárias. A crença no poder mágico do crescimento econômico e a completa ignorância do fator cultural (que àquela altura os próprios comunistas já haviam compreendido ser o mais decisivo) selaram o destino do regime”.

Olavo de Carvalho

Ao continuar com esta estratégia masoquista, pusilânime e kamikaze, os militares findaram por sufocar e acabar com as forças políticas direitistas, ficando eles sozinhos e sem conhecimento e cacoete para uma batalha cultural (especialmente política, ideológica e intelectual), na pena e no microfone, em que os fardados só apanhavam politicamente enquanto os vermelhos só batiam sem dó, sem nunca ter armistício; um belicismo contínuo até aqueles perderem e saírem de cena com o rabo entre as pernas e crescentemente sendo desmoralizados, e estes, as Esquerdas, saírem vitoriosas não só politicamente, mas também, culturalmente (e ainda com os esquerdistas conseguindo apoio financeiro ao abusarem da chantagem emocional de saberem que muitos do generalato, preocupados com sua imagem e em cessar aquele enxame de ataques inclementes contra eles, cediam sempre para mostrar que não eram intolerantes, anti-democráticos e brucutus). Precisamente o resultado dos vinte e um anos de Regime Militar foi o seguinte: sai militares; se impregna a narrativa mito-poética dos esquerdistas sobre o período 1964–1985; imperam as Esquerdas hegemônicas culturalmente (linguagem, artes, educação, imprensa, economia, relações trabalhistas, opinião pública, política, agendas, costumes, leis, justiça), que formam gerações e mais gerações de esquerdistas, os mesmos que só achincalham os patriotas, porém ignorantes e fetos políticos, militares e seus governos.

A Crescimento da Hegemonia Cultural das Esquerdas no Brasil desde os Anos 1960

É neste ponto que as pessoas não entendem a dimensão da importância do filósofo, professor e escritor, Olavo de Carvalho, nem o que ele é, nem o que ele já fez (o que certamente permitiu que muitas coisas acontecessem; até a própria pessoa ter se tornado o direitista de peito aberto que é hoje, sem nem saber como) e muito menos o que ele quer. O fluxo das grandes idéias das grandes obras literárias (especialmente as filosóficas) começa com um tremor mínimo, pequeno; sua velocidade de propagação é lenta e imperceptível. Mas este pequeno abalo primordial, tende sempre a crescer numa geometria circuncêntrica aparente, com o primeiro círculo de leitores diretos sendo o menor de todos; esta primeira rodela gerando, em cada leitor presente nela, uma nova cadeia de círculos circuncêntricos secundários. Tal irradiação primária atinge normalmente alguns outros intelectuais e pessoas cultas (e possivelmente influentes nos seus meios sociais) próximos ao autor.

Daqueles pertencentes ao círculo primário do filósofo, dão-se geratrizes de seus círculos secundários, criados em torno destes intelectuais, leitores ou alunos, que vão espalhando as idéias (puras ou já lapidadas, simplificadas ou mais explicadas por várias formas expressivas e artísticas) numa espécie de progressão aritmética inicial e, depois, transitando a uma progressão geométrica, de crescimento exponencial (em quantidade e em velocidade), com o aparecimento de círculos maiores e crescentes nos seus raios de ação em relação ao autor, no centro de tudo isso (distante no espaço e no tempo). E isso por toda a sociedade e de caráter sistematicamente mais difuso, ou seja, com um difícil rastreamento do criador alfa das idéias e deste processo.

A era da internet, o seu aprimoramento, a sua popularização e o surgimento das redes sociais ajudaram muito este processo. Conforme foi crescendo o transporte e a cristalização destas idéias — no início de forma silenciosa, facilmente mapeada e conhecedora do epicentro, e depois, de forma ruidosa, descontrolada e geralmente ignorante das origens da história das idéias — atingiu-se as massas (sem sequer saberem de onde veio o impacto, dando a impressão que foi algo natural, sinais dos tempos), se popularizando e se tornando em uma nova linguagem, noção, intelecção, imaginação, interpretação, cognição, sentimento, emoção, reação, relação e comportamento na vida das pessoas.

Este processo foi iniciado pelo Olavo de Carvalho no início dos anos 1990. O lançamento de seus livros culturais e políticos pioneiros e principais para este fenômeno de destruição da hegemonia, intelectualidade, farsa e segurança esquerdista — além do ressurgimento natural das Direitas — se deu na seguinte ordem cronológica brasileira: “A Nova Era e a Revolução Cultural — Fritjof Capra e Antonio Gramsci” (1994), “O Jardim das Aflições — De Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil” (1995), e “O Imbecil Coletivo — Atualidades Inculturais Brasileiras” (1996). Já a massificação e cristalização em linguagem descritiva, diagnóstico, explicação e proposta final das idéias do Olavo de Carvalho nas consciências, na comunicação, nos debates, nas representações e nas ações objetivas do populacho, começou a chegar neste patamar de tomada de racionalidade de milhões, e já atingindo a superficial esfera política, por volta de 2013–2015; fluxo que se concretizou em resultado político concreto em 2018, com a eleição de um presidente direitista (depois de mais de três décadas de hegemonia esquerdista no poder).

A Trilogia da Destruição Hegemônica Esquerdista do Olavo de Carvalho nos Anos 1990

O poder do conhecimento intelectual ou religioso é aquele que menos marca presença e que menos atua na época mesma de sua manifestação primeira, mas é o que influencia mais as pessoas no processo histórico das décadas dos séculos e dos milênios. Quantos esquerdistas desde 1848 leram algum livro do Marx? Em 2019, quantos de todos eles repetem e têm o Marxismo até na alma, sem saberem de quem e nem como absorveram aquilo? No enterro de Marx, em 14 de março de 1883, apenas onze pessoas compareceram para prestigiá-lo; quantas vão lá visitá-lo como uma espécie de adoração patológica nos dias de hoje? Quantos direitistas desde 1993 leram o Olavo? Quantos têm linguagem, visões de mundo, interpretações, informações, chaves de entendimento e explicações dele, sem sequer saberem que suas bases e defesas são de sua autoria? E quantos que, sem saberem, foram altamente influenciados pelo filósofo paulista e que estão regozijantes por terem um despertar de correntes direitistas, até elegendo um Presidente da República, mesmo detestando o Olavo de Carvalho?

E este é o ponto: quase ninguém leu Karl Marx… E milhões, quiçá bilhões, são marxistas sem sequer terem noção disso pois, na história das idéias e no mecanismo de suas propagações, aqueles livros ideológicos e doutrinários entraram na alma do ser pela sua pulverização, espalhamento, densificação e modificação da cultura em inúmeros nichos, sem mais tendo a necessidade de se ler o autor original daquilo tudo em suas fontes primárias, chegando indiretamente, e cada vez mais longe, pela linguagem modificada, pelas artes, pelas academias, pela mídia e pelos demais espaços tomados e que foram pautando o senso comum, o imaginário, o horizonte de consciência e os debates púbicos. E este é o peso do Olavo de Carvalho aos direitistas, inclusive aqueles que o odeiam e que nem sabem quanto de si mesmo veio dele.

Quando inúmeros erros, tanto de postura quanto de ações são cometidos por políticos — pessoas públicas por excelência — e de forma escancarada, é direito público de qualquer um criticá-los; mesmo sendo apoiador do político. A crítica do erro de alguém por quem simpatizamos ou gostamos é justamente a manifestação do apreço que temos pelo indivíduo e que pela qual intentamos demonstrar a nossa busca ao acerto dele. Se nenhum destes políticos, em especial os altos militares, pedem privadamente conselhos e assumem a responsabilidade por suas ações públicas, quaisquer críticas a eles devem ser públicas. E a isso os generais não estão acostumados a receberem ao liderarem os seus comandados de plantel. E são estas críticas que o Olavo de Carvalho empreendeu desde o início do governo de Bolsonaro, a partir do momento que alguns generais começaram a mostrar e praticar inúmeros erros, vícios, burrices e até sabotagens.

E de todos os generais — em que muitos parecem mais querer tutelar o presidente do que obedecê-lo —, talvez o maior exemplo negativo venha de Hamilton Mourão. Quando foi na inimiga escrachada do candidato direitista, a Globo News — substituindo o Bolsonaro que sofrera uma tentativa de assassinato a facadas por um militante extremo-esquerdista ex-filiado do PSOL—, se derrete perante aquela alcatéia de militantes, bajulando os entrevistadores (se dizendo fã de Miriam Leitão), desdenha das denúncias que o Bolsonaro fez contra os que tentaram assassiná-lo, quando estava internado no hospital, aludindo, assim, um abalo emocional pós-traumático, desqualificando a capacidade do presidente emitir uma posição por estimar que ele, sem base alguma, estivesse confuso.

Depois da posse do Presidente Jair Bolsonaro, só piora as suas ações: declara-se favorável ao abortamento; recebe sindicalistas contrários a Bolsonaro; se reúne com lideranças palestinas e desdiz a intenção de campanha de mudar a Embaixada do Brasil para Jerusalém; critica abertamente Ministros do governo (o do Meio Ambiente, ao defender Chico Mendes; o das Relações Exteriores, duvidando de sua capacidade e rotulando-o como um extremista); comemora que a população escrava da Venezuela esteja sofrendo e sendo massacrada desarmada, a estar armada e insurgir-se contra seu tirano; insinua em entrevistas que o Bolsonaro estava despreparado ou que se equivocou (desmentindo-o); curte tweet de jornalista hostil ao Presidente, elogiando o Mourão e detonando o Bolsonaro; critica decisões e exonerações obrigatórias do governo; deseja uma aproximação com a imprensa (inimiga declarada do Presidente); se diz contrário à “despetização” que o Onyx Lorenzoni estava fazendo na Casa Civil; clama de forma obtusa que havia extremismo em muitos apoiadores de Bolsonaro; e faz equivalência porca entre conservadores comuns e comunistas que sempre odiaram todos eles e quaisquer oposições a seus projetos de mundo, praticando toda a sorte de mentiras, perseguições, misérias, crimes, morticínios e demais tragédias humanas.

As Declarações e Posturas Inadequadas e até Absurdas de Mourão

“Eu sou um crítico contumaz dos conceitos de Direita e Esquerda, são conceitos do século XVIII, da Revolução Francesa, né (sic), onde quem sentou à direita do rei eram os nobres, né (sic), então, portanto (sic), em tese inimigos do povo, e quem sentou à esquerda do rei eram os revolucionários, em consequência a Esquerda era boa, então é maniqueísmo isso aí. Acho que nós temos que nos libertar deste conceito”.

Hamilton Mourão

Os vícios decorridos de 1964, naquele regime tecnocrático e apolítico positivista empreendido pelos militares (que achavam que as ideologias políticas eram besteiras ou inúteis, meros “maniqueísmos” que só atrapalhavam) só ajudou a esterilizar um polo: o da Direita. O governo militar e seus mentores só se preocupavam em combater as Extremas-Esquerdas armadas, mas deixando as demais Esquerdas e Extremas-Esquerdas irem dominando, lentamente, todos os espaços culturais na imprensa, nas artes, nas universidades, nas classes estudantis, empresariais, trabalhistas e sindicais. Tudo isso foi transcorrendo até que veio a redemocratização. O Regime Militar assassinou praticamente todas as lideranças políticas e correntes intelectuais das Direitas, deixando o Leviatã esquerdista gigantesco, o que nos dominou por décadas. E é esta a importância do filósofo Olavo de Carvalho, que faz inúmeros direitistas o odiarem e o menosprezarem, achando que a política comezinha e cotidiana é mais importante que o trabalho filosófico intelectual e cultural derivado dele.

São pessoas que acham que, no decorrer da História, um imperador, um rei, um presidente, são mais importantes que o um grande filósofo, um influente intelectual, um habilidoso artista ou um santificado profeta. Poucos foram os estadistas que marcaram história (para o bem ou para o mal) e, quando marcaram — Alexandre (o Grande), Júlio César, Nero, Henrique VIII, Stálin, Hitler, Churchill ou Reagan — foi pelos seus feitos (bons ou cruéis), materiais, militares ou políticos, e que muitos deles já se desfizeram, ficando só a fama. Entre militares, libertários, liberais, conservadores e outros tipos de direitistas emergentes do século XXI no Brasil, existem inúmeros repletos de egos flutuantes, com latentes dores de cotovelo, e que pensam imediatista assim, se negando a admitirem o óbvio: o reconhecimento da primazia de quem permitiu culturalmente e intelectualmente, a quase todos, a existência de suas posições com a liberdade, o espaço e a importância de que gozam atualmente (e que só cresce, enquanto as Esquerdas desmoronam intelectualmente e moralmente). A pior coisa do mundo para eles é terem que dar os louros da vitória ao filósofo que mais tem direito a esta posição de propulsor de uma elevação cultural notável e de geratriz da tomada de consciência que grande parte do povo brasileiro passou a ter depois de 2015: Olavo de Carvalho. Como já diziam, o pior inimigo do bom é o ótimo (imagina então do razoável, fraquinho ou ruim).

Quem era o governante em Atenas na época de Homero (ou o real autor da Ilíada)? E nos tempos de Sócrates, Platão ou Aristóteles? Quem mandava nos países deles? E mais além, alguém consegue lembrar o nome de qualquer faraó ou governante de seja qual for a região em torno de Moisés enquanto este revelava as Tábuas da Lei? Quem mandou decapitar São Paulo? E nos tempos de Cartago quem mandava lá com Santo Agostinho sendo bispo? Quem conhece Genserico naquela região africana e tempo? Procure saber, procure saber… Que potestade local enchia mais o saco de São Tomás de Aquino? E que político florentino perseguiu Dante até este seguir no exílio? E caso lembre o nome do político ou governante, qual foi o legado dele? O que fizeram de super poderoso e que tenha ficado ao menos na lembrança? Já dos filósofos, artistas ou profetas tudo está aí até hoje, nos inspirando ou nos infernizando. Qual o maior poder, entre o político e o intelectual, na escala temporal das eras? Qual fermenta, lança mais raízes e dura mais?

Se um general que entra no governo, se empomba e quer dar uma de bonzão para cima dos outros que agiram efetivamente e se arriscaram, e sem haver tido feito absolutamente nada, historicamente, para galgar tal prêmio, como um enorme hipócrita e ingrato, ele perde todo e qualquer respeito. Ainda mais chegando lá depois de décadas das Forças Armadas e dos militares sendo esculachados por todos estes esquerdistas no poder e na cultura, e sabendo que o Olavo de Carvalho combateu-os sozinho desde meados de 1990, com ameaças (inúmeras de morte), perseguições, ataques coordenados, perdas de emprego, enquanto o generalato-estrela, que acendeu ao poder em 2019, obedientemente batia continência por todos estes anos — até para comunistas — e recebendo regularmente seus ordenados. E quando resolviam reagir a algum acinte demoníaco ou criminoso das inúmeras humilhações e ataques recebidos — até com cusparadas na cara de nossos heróis pracinhas da Segunda Grande Guerra, em frente ao Clube Militar —, no máximo contragolpeavam com notas de repúdio, discursos inflamados de indignação (em suas reuniões e em seus clubes militares fechados) e tweets enfezadinhos.

Joel Pinheiro, o Libertário Quarentão, um exemplo de um dos tipos de intelectuais invejosos, idiotas, vaidosos e sujos, que sistematicamente são brinquedinhos para esquerdistas progressistas, comunistas e globalistas

A Matrix Verde-Oliva da qual estes oficiais generais viviam e da qual resolveram sair, deve ser destruída. Os olhos deles devem ser lavados para mostrar que, neste mundo real, eles não são deuses sapientes, mas preparados comandantes militares lá; e que cá, devem ser humildes de reconhecerem que quase nada sabem de política e, assim, sentarem para aprender com quem provou que sabe. Os erros cometidos de 1964 nunca mais devem retornar para destruir as Direitas e, com isso, deixar as Esquerdas livres, leves e soltas. E para tudo isso, criticar todos os erros é preciso (e possíveis traições, golpes e estratagemas internos), e eles devem saber que isso, não é uma tomada de posição clubística, de ser contra ou de ser a favor, ou daquele tosco nós e eles; mas sim o saudável debate que nasce da contradição para identificar e reconhecer os erros e, desta forma, se aprimorarem nas próximas etapas e decisões. E a pergunta que não repousa: Quantos generais ficam incomodados de participarem como subalternos de um governo cujo o presidente continua sendo apenas um capitão aos seus olhos?

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C. S. Xavier
C. S. Xavier

Written by C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.

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