A Mais Alta Torre

C. S. Xavier
5 min readFeb 4, 2024

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Descendo da Mais Alta Torre para Defendê-la por Inteiro

“Inútil beleza
A tudo rendida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Ah! que venha o instante
Que as almas encante.

Eu me digo: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
Do que quer que seja.
Não te impeça nada,
Excelsa morada.

De tanta paciência
Para sempre esqueço:
Temor e dolência
Aos céus ofereço,
E a sede sem peias
Me escurece as veias.

Assim esquecidas
Vão-se as Primaveras
Plenas e floridas
De incenso e de heras
Sob as notas foscas
De cem feias moscas

Ah! Mil viuvezas
Da alma que chora
E só tem tristezas
De Nossa Senhora!
Alguém oraria
À Virgem Maria?

Inútil beleza
A tudo rendida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Ah! que venha o instante
Que as almas encante!”

Arthur Rimbaud

No núcleo destes versos retirados de abertura e fechamento do poema “Chanson de la plus Haute Tour” (“Canção da Mais Alta Torre”), de 1872, do poeta simbolista francês, Arthur Rimbaud (1854–1891), há o adágio famoso do “por delicadeza perdi minha vida” que sintetiza uma postura de tanta gente virtuosa que acaba sendo derrotada por seus adversários por não perceber o nível de maldade que estes possuem e o quanto baixo podem descer para destruírem seus inimigos. Quando se combate hostes sem escrúpulos o confronto é, por definição, assimétrico. Quando num lado se luta sob inúmeras regras morais e legais e n’outro sob nenhuma (ou quase nenhuma), aquele já inicia a pugna perdendo.

“Oisive jeunesse
A tout asservie,
Par délicatesse
J’ai perdu ma vie.
Ah! Que le temps vienne
Où les coeurs s’éprennent”.

Arthur Rimbaud

Numa tradução um pouco mais literal mas com menos força poética a palavra justaposta da francesa “délicatesse”, “delicadeza”, se torna “virtude” para rimar com a escolha pela mais precisa “juventude”, do original “jeunesse”, do que a “beleza”:

“Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora”.

Arthur Rimbaud

Perder a vida ou ser derrotado por excesso de delicadeza ou de zelo demasiado por manter a reputação de suas virtudes e permitindo assim que os vis, iníquos, criminosos e sádicos prosperem com um mal muito maior ou pior que almejam impor sobre todos e espalhar por toda a parte é pusilanimidade burra, egoísta, irracional e suicida. E não entender isso, não compreender minimamente o nível misto de suinidade e diabolismo que rege a clave das ações dos inimigos atuais, para, assim, analisar com maior proporcionalidade e discernimento o quanto de regras — já violadas por eles — podemos (e devemos) quebrar para reagirmos à altura contra um oponente maligno e que merece respeito mínimo (ou nenhum) e combate pleno até sua rendição, prisão ou mesmo eliminação é pedir para ser aniquilado, por polidez, etiqueta, moderação e vaidade suicidas.

O “par délicatesse j’ai perdu ma vie” é, infelizmente, a base da postura de boa parcela de nossas fileiras tão preocupadas com suas imagens e com as opiniões alheias ao invés de focarem em fazer o que é o certo e necessário, com a força e o método que forem precisos para protegerem e zelarem por algo que é maior e mais valioso do que cada um de nós mesmos, mas se agrilhoam com medo do que os inimigos inescrupulosos podem falar (sempre mal) por suas línguas bifurcadas e fazer (sempre injusto) por suas patas com garras para desvirtuarem as esperadas e obrigatórias posturas educadas, honradas e respeitosas que só exigem dos homens de boa fé (que monstrificam sempre) e, assim, os bons e justos não conseguem agir à baixeza do maus e injustos dentro de situações de caos, ignomínias, injustiças e psicopatias mil criadas por tais diabolóides. Com este excesso de bom-mocismo nossas representatividades e lideranças, em especial políticas, ficam presas em esquemas malignos que vão, em si, transgredindo a ética e moral as que deveriam estar submetidas acima de quaisquer regras malignas ou deturpadas.

E é com este simulacro de ordem, justiça e legalidade imposto sem pudor como o normal pelos próprios inimigos da verdade, bondade e beleza, em seus discursos e dissimulações de realidade, que eles conseguem criar um ambiente de cinismo macabro e que expõe todas nossas fraquezas e impotências polidas que dominam as ações e reações de todos que aceitam e se imobilizam diante das muitas disputas assimétricas que se assomam sobre nós nestes tempos sombrios de mentiras, ardis, falsidades e simulações, se imobilizando e se castrando conforme mais se conformam a aceitarem cegamente as regras que nossos inimigos mesmos criaram para somente os encoleirarem.

E isto nos remete também aos famosos versos do poema “The Second Coming” (“A Segunda Vinda”), de 1919, do poeta irlandês, William Butler Yeats (1865–1939), que sintetizam perfeitamente o mote e concatenação da luta entre o Bem x Mal desde os primevos homens até o fim, mas principalmente marcando nossas ações dos séculos XX e XXI até atualmente, em que mazelas como o enfraquecimento de nossa fé, laicização de nossas sociedades e culturas, deterioração de nossa dimensão espiritual, estupidificação da imaginação moral, com perda da hierarquia de valores e senso de proporções, e isto tudo piorado com o advento do politicamente correto, da manipulação lingüística, da confusão institucionalizada e da efeminação dos homens, deixamos os maus agirem com mais folga, sempre inconseqüentemente e obsessivamente apaixonados e convictos do mal que chamam de bem e que querem trazer a todos, enquanto os bons vivem num hospício tentando se encaixarem em nas loucuras, ditames, leis, convenções debilitantes e castrantes das hostes infernais, enquanto tentam, em desvantagens brutais aceitas, os combaterem cheios de timidez, hesitação, sofisticação e amarras mil.

“Os melhores carecem de toda convicção, enquanto os piores são cheios de intensidade apaixonada”.

W. B. Yeats

E é por esta estúpida, covarde e egocêntrica “delicadeza” (ou excesso de zelo por suas caras “virtudes”) que muitos homens de boa vontade e fé vão se submetendo aos regulamentos dos ímpios, dos cânones que ou estes mesmos desprezam ou que só os elucubram para demoradamente amarrar qualquer opositor (inimigo automático deles), diante das maldades ilimitadas de que são capazes de imprimir sem o mínimo pudor, sempre dispostos a trapacear, mentir, ludibriar, infringir leis e cometer crimes. E por este desbalanço insano, o mal avança cheio de convicção e brutalidade desvairada, enquanto o bem reage com suas fraquezas reticentes e delicadezas acovardadas.

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C. S. Xavier

No exercício contínuo da mais perene atividade entre os mortais.